O combate à lavagem de dinheiro e à corrupção no Brasil: para além de uma divergência ideológica

Miguel Teixeira Filho (*)

Segundo conceito já consagrado, lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso, por meio de múltiplas transações, busca transformar recursos ganhos em atividades ilegais (tais como narcotráfico, corrupção, sequestro e terrorismo) em ativos com uma origem aparentemente lícita.

No entanto, o dinheiro sujo não pode retornar para a economia como se de origem lícita fosse, dado que, quando não retroalimenta o crime (por vezes servindo ao terrorismo – e essa é uma preocupação mundial), desestabiliza o sistema financeiro e afeta as boas práticas da economia, uma vez que favorece a concorrência desleal etc.

No Brasil, no conhecido caso do “Mensalão” (Ação Penal STF nº 470) o dinheiro de origem suja tomou um caminho ainda mais danoso: teve como propósito servir a um projeto de manutenção de poder por parte de um grupo político, segundo ficou registrado no Supremo Tribunal Federal, nos anais do julgamento do caso. A investigação ora em curso, conhecida como “Lava-Jato”, indica a existência de características semelhantes: o dinheiro sujo da corrupção ativa e passiva e de outras fraudes, além de servir ao enriquecimento dos agentes públicos e privados envolvidos, ainda, segundo vem sendo apurado, destinou-se a financiamento de campanhas eleitorais.

A necessidade de combate ao branqueamento de capitais é objeto central de discussões em todo o mundo, bem como da formulação de acordos e tratados de cooperação internacionais pelas principais nações, inicialmente focados no dinheiro ilícito oriundo do narcotráfico (Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, 1988, Viena, dentre outros), medidas essas que foram incrementadas a partir dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, com a formulação de novos acordos e tratados.

Em paralelo, o mundo passou a experimentar um movimento sem precedentes na luta contra a corrupção. As sociedades avançadas deram-se conta que o fenômeno da corrupção afeta não só aos governos, mas, também, prejudica indistintamente, cidadãos, entidades públicas e instituições privadas, provocando a concorrência desleal, comprometendo o crescimento econômico e afugentando novos investimentos. Assim é que, nas últimas décadas, surgiram ONGs de abrangência global, houve assinaturas de acordos internacionais e elaboração de legislações específicas coibindo práticas, algumas delas aceitas até então.

Até por força dos desígnios de sua Carta Constitucional, o Brasil é signatário de todos esses acordos e tratados, tendo incorporado em sua legislação, nos últimos anos, severas normas para combate ao narcotráfico, corrupção e lavagem de dinheiro, dentre outros delitos.

Como exemplo, pode se citar o advento da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro(Lei 9613/1998), a qual além de dispor sobre o crime propriamente dito, ainda criou, no Brasil, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (o COAF), verdadeiro órgão de inteligência financeira, em espelho a organismos existentes em outras nações, lei essa que foi consideravelmente atualizada e incrementada em 2012 (pela Lei 12683/2012); A Lei de Repressão às Organizações Criminosas (Lei 12850/2013), que definiu o crime de organização criminosas, além de instituir os mecanismos especiais para sua investigação e repressão, com a regulamentação da figura da colaboração premiada (também conhecida por delação premiada), bem como disciplinou e autorizou a adoção de modernas técnicas de investigação policial, como a ação controlada, a infiltração de agentes etc.;  a Lei Anticorrupção (Lei 12846/2013), regulamentada em 2015 (Decreto Federal 8420/2015), a qual instituiu graves punições para pessoas jurídicas (empresas, fundações, associações etc) envolvidas em atos de corrupção em detrimento de entidades públicas brasileiras e estrangeiras, com pesadas multas (0,2 a 20% do faturamento bruto anual), dentre outras sanções.

Assim sendo, as duras medidas que vem sendo tomadas pelos órgãos Judiciários, a partir de processos investigatórios, as quais são estampadas no noticiário do país, praticamente todos os dias, decorrem tão somente da aplicação das normas legais repressivas, como já dito, incrementadas nos últimos anos para atender aos reclamos de segurança jurídica e bem estar social, demandas que ultrapassam as fronteiras nacionais, e estão em conformidade com as recomendações dos organismos internacionais.

Dito o acima, fica evidente que se enganam aqueles que enxergam as manifestações populares e o combate à corrupção, que vem sendo levado a efeito pelos órgãos de repressão do país, como uma disputa ideológica. A luta contra a corrupção e contra a lavagem de dinheiro é mais que isso: representa um avanço civilizatório para o país e a todos interessa, porquanto as boas práticas sociais, financeiras e econômicas é de interesse de toda sociedade.

Obviamente que, em todas as medidas tomadas, os órgãos repressivos e judicantes não podem se distanciar do respeito aos direitos e garantias individuais dos investigados e denunciados, dentre as quais o respeito à presunção de inocência, que em favor de todos milita, o respeito ao devido processo legal, ao direito de ampla defesa e de contraditório, bem como ao de receber decisões fundamentadas e lastreadas em provas lícitas. Nenhum pretexto, nem o de atender aos reclamos da indignação social, podem justificar qualquer abuso de autoridade. Sob o pretexto de combater o crime, não é lícito ao Estado cometer crimes, pena de se igualar ao criminoso.

Observadas todas essas cautelas, cremos que a sociedade brasileira deve, em uníssono, aplaudir os avanços que estamos experimentando em termos de combate à lavagem de dinheiro e aos delitos que lhe são antecedentes, com ênfase à se extirpar a corrupção, que ainda está entranhada em todo o tecido social.

Encerra-se este texto com uma afirmação óbvia: para vivermos numa sociedade ética, não basta apenas a atuação das instituições. As boas práticas devem ser o norte para as ações individuais de cada um de nós, em nosso dia a dia, em todos os eventos, mesmo nos mais simples: a ética individual é a base para uma sociedade ética.

(*) Miguel Teixeira Filho é advogado em Joinville, sócio da Teixeira Filho Advogados

(foto: dreamstime.com)

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